A pandemia de covid-19 causou grande prejuízo à assistência aos pacientes com problemas na visão dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com dados apurados pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), a queda na produção de procedimentos deste tipo foi acentuada quando comparada com números de 2019. O prejuízo atingiu especialmente as pessoas que dependem exclusivamente da rede pública para terem acesso a consultas e cirurgias para diagnosticar e tratar transtornos de saúde ocular. Apesar de 2021 apresentar uma tendência de recuperação, os números ainda não alcançam o desempenho pré-pandemia.

O impacto negativo mais significativo ocorreu nas consultas com os médicos oftalmologistas. A retração no volume de 2020 com relação a 2019 chegou a 35%. Os números do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS), analisados com o suporte da consultoria 360° CI, mostram que em dados absolutos 3,7 milhões de consultas deixaram de ser realizadas ao longo do ano passado.

Queda absoluta – Em 2019, foram realizadas 10,8 milhões de procedimentos deste tipo. No ano seguinte, a quantidade baixou para 7,1 milhões, a maior queda em termos absolutos entre todas as especialidades disponíveis na rede pública. Os dois primeiros meses após a decretação de calamidade pública (abril e maio de 2020) apresentaram os piores índices, com redução de 74% e 71%, respectivamente, no total de procedimentos.

Nestes dois meses, foram realizadas, em 2019, um total de 1,8 milhão de consultas. No mesmo intervalo, durante o primeiro ano da pandemia, foram oferecidas 509 mil, ou seja, menos de um terço. Esse resultado tem consequência direta no diagnóstico e no tratamento precoces de doenças oftalmológicas, como glaucoma, catarata ou retinopatia diabética.

Sem a realização de consultas e exames para detectar estes problemas logo na fase inicial, milhares de pessoas foram prejudicadas. “Certamente, elas receberão um laudo sobre o estado de sua saúde ocular com os problemas instalados em estado mais avançado. Desta forma, o controle dessas doenças fica mais complexo e difícil, com aumento da possibilidade de comprometimento da visão, seja total ou parcial”, avalia o presidente do CBO, José Beniz Neto.

Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS)

Regiões e estados – Os dados analisados pelo CBO demonstram que a pandemia afetou de forma negativa a produção de consultas oftalmológicas em todas as regiões do País. No entanto, na comparação, Centro-Oeste (-40%), Nordeste (-38%) e Sudeste (-35%) apresentaram as quedas mais drásticas.
Entre os estados, os piores desempenhos, quando comparados os números absolutos de 2020 com 2019, aparecem São Paulo (-1,7 milhão de consultas), Minas Gerais (-441 mil) e Rio de Janeiro (-406 mil). Em termos proporcionais, o problema afetou mais o Acre (queda de 64% no número de consultas), Piauí (-57%) e Mato Grosso do Sul (-53%). Dentre as 27 unidades da federação, apenas o Amapá aparece com um aumento de 33% na realização de consultas oftalmológicas, quando comparados os anos de 2019 e 2020.
Na avaliação do CBO, esta melhora do desempenho é consequência do avanço da vacinação e da maior facilidade de acesso dos pacientes às unidades de atendimento ambulatorial e hospitalar. Neste processo de retomada dos cuidados com os olhos, o levantamento aponta que os pacientes de 60 a 64 anos foram os que mais realizaram consultas no primeiro semestre de 2021, com 534,5 mil atendimentos. Pessoas entre 60 e 74 anos representaram 31% do total de consultas feitas, em seguida, a faixa de menores de 1 ano ocupa o quarto lugar nos consultórios oftalmológicos, com o total de 412,1 mil atendimentos no período analisado.
Cirurgias – A radiografia da assistência oftalmológica no SUS também mostra que a covid-19 afetou a produção de cirurgias do aparelho da visão. Em 2020, no primeiro ano da pandemia (de janeiro a dezembro), foram realizados quase 390 mil procedimentos deste tipo a menos do que em 2019. No total, houve uma redução de 27%.

Em 2020, foram realizadas pouco mais de 1 milhão de cirurgias oftalmológicas. No ano anterior, houve o registro de 1,4 milhão. Ao comparar o intervalo de março a dezembro (período em que a pandemia estava em curso), entre 2019 e 2020, o levantamento do CBO aponta que 288.972 cirurgias eletivas do aparelho da visão deixaram de ser feitas, indicando uma queda de 46%.

Na avaliação do CBO, os protocolos que restringiram o acesso dos pacientes às cirurgias eletivas para ampliar a infraestrutura de atendimento para pessoas com covid-19, assim como para reduziu a exposição ao vírus dentro das unidades, contribuíram para que este quadro de queda na produção se instalasse.

Entre janeiro e julho 2021, com a retomada das cirurgias eletivas nos hospitais, houve uma melhora no número de cirurgias do aparelho da visão, mas o cenário ainda é preocupante. Neste intervalo, foram registrados 717,7 mil procedimentos, patamar 29% superior aos 555,4 mil de 2020, mas ainda é 13% inferior aos dados de 2019 (829,5 mil).

Panorama regional – Como no caso das consultas, todo o País sofreu com a queda na produção de cirurgias oftalmológicas, devido a pandemia. No entanto, o impacto foi diferente nas regiões: o Nordeste teve a redução percentual mais significativa, com 39% menos cirurgias em 2020, em comparação com o ano anterior. Em seguida, estão Centro-Oeste (-34%), Sul (-33%) e Sudeste (-22%). O Norte sofreu déficit de apenas 1%.

Os impactos divergiram também nos estados. Rondônia (-73%), Mato Grosso do Sul (-71%), Piauí (-57%) e Sergipe (-53%) apresentaram as maiores quedas percentuais. Em termos absolutos, no topo do ranking estão São Paulo (- 178 mil cirurgias), Rio de Janeiro (-54,5 mil) e Pará (- 53,9 mil). Três unidades da federação tiveram um comportamento positivo: Amapá, com alta de 1.188%, Tocantins (74%) e Roraima (24%).

Nos dados analisados – considerando o período entre janeiro e julho de 2021 -, a cirurgia do aparelho de visão mais realizada foi a facoemulsificação com implante de lente intraocular dobrável. Ela corresponde a 37% do total dos procedimentos realizados, somando 265 mil cirurgias. Em seguida, aparecem: tratamento cirúrgico de Pterigio (79,3 mil) e fotocoagulação a laser (70,8 mil).Faixa etária – O levantamento revela também que a faixa etária de 65 a 69 anos foi a que mais realizou cirurgias nos olhos no primeiro semestre de 2021. Pessoas a partir dos 55 anos representam 67% de todos os procedimentos cirúrgicos realizados no período, somando 404 mil cirurgias do aparelho da visão.
“A saúde brasileira tem um grande desafio pela frente: recuperar os índices de cobertura assistencial na rede pública que existiam antes da pandemia. Isso exigirá uma ação coordenada envolvendo os gestores do SUS em todos os níveis – federal, estadual e municipal. Os oftalmologistas estão dispostos a contribuir, até porque sabem dos grandes prejuízos que a população pode sofrer de modo definitivo se não forem tomadas medidas imediatas”, finalizou o vice-presidente do CBO, Cristiano Caixeta, ao analisar os dados.